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Minas Gerais: Vilas do Ouro – Mariana, Ouro Preto e Sabará

Texto: Daniela Maciel, Jornalista e Historiadora

Edição e Fotos: Carla Silva

A mineração é tão importante na formação econômica e social de Minas Gerais que está no próprio nome do Estado. O brilho do ouro e dos diamantes encontrados no século XVIII, seguidos pelo minério de ferro no século passado, entremeados por uma infinidade de gemas distribuídos pelo território dão forma e cor não só à política e arquitetura mineira, mas principalmente à alma do povo das alterosas.

Isso é tão forte que fazemos distinção entre as palavras “mineiro” e “minerador” – no Brasil, gentílico e profissão, respectivamente -, coisa que não acontece na maioria das línguas.

Mas tudo começa com o ouro e ainda é possível encontrar bons exemplares preservados dessa história no que convencionamos chamar “cidades históricas”. Datadas do período colonial, elas hoje são patrimônios tombados em nível estadual, nacional e até mundial.

Em uma primeira fase – entre 1711 e 1718 – a Coroa Portuguesa elevou oito arraiais à condição de vilas – as chamadas vilas do ouro – que recebem e esperam uma visita de pessoas do mundo inteiro dispostas a subir e descer ladeiras, olhar para o alto em busca das eiras e beiras e se abaixar para entrar nas minas que seguem brotando em quintais, além de atravessar rios e córregos que ainda escondem pepitas e mistérios.

Em 1711 a província teve as três primeiras vilas reconhecidas pela Coroa: Vila do Carmo, hoje Mariana; Vila Rica, Ouro Preto; e Vila de Sabará, Sabará.

MARIANA E OURO PRETO

Mariana é a Primaz de Minas. A cidade que foi vítima do maior desastre ambiental da história do Brasil, com o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, tem um dos centros históricos mais representativos do barroco nacional. A Praça Minas Gerais, que é um dos principais cartões postais do Estado, reúne em volta do seu contorno quadrado as igrejas de São Francisco e de Nossa Senhora do Carmo e a Prefeitura (antiga Casa de Câmara e Cadeia), além do Pelourinho.

Igreja de São Francisco – Mariana

A Sé, na rua Direita, a poucos quarteirões, é a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, que rivaliza com a Matriz de Santo Antônio, em Tiradentes, como a segunda mais rica do Brasil em volume de ouro utilizado na decoração. Lá, é possível acompanhar uma apresentação da organista Elisa Freixo em um instrumento alemão datado de 1701. O exemplar é raro no mundo e único no Brasil. Aliás, a música é habitante de Mariana, com as bandas e, especialmente, o Museu da Música.

De todas as preciosidades marianenses, a minha preferida, entretanto, é, talvez, a mais singela de todas: a Igreja de São Pedro dos Clérigos. Do seu adro é possível ver a cidade que sobe a partir da estação de trem.

Da torre, os telhados vermelhos de Mariana formam uma onda embalada pelo badalar dos sinos.  Fundada em 1731, só teve as obras começadas em 1753 com a preparação do terreno, e avançaram com muita lentidão, com ciclos de atividade e paralisação, prolongando-se até o século XIX e jamais sendo concluída, sendo abandonada em torno de 1820 sem que as torres tivessem sido erguidas. Elas só seriam completadas entre 1920-1922 em um estilo um tanto diferente, sob a supervisão do padre e arquiteto Arthur Hoyer.

A decoração do interior tampouco foi executada, salvo o altar-mor, e mesmo este ficou incompleto, nunca recebendo a típica douração e pintura. No entanto, é uma obra de talha em madeira de qualidade superior, e abriga uma estátua de São Pedro de tamanho e sofisticada execução.

São Pedro dos Clérigos

E é justamente de trem, um “coiso” que tem a missão de transportar passageiros e cargas no mundo inteiro, mas que para o mineiro é todas as outras coisas e ainda dá no coração, a forma mais charmosa de chegar a Ouro Preto.

A viagem entre dois municípios revela uma paisagem típica da região Central de Minas, com montanhas e cachoeiras e cumprir os menos de 15 quilômetros no vagão panorâmico vale o custo superior.

Ouro Preto

A antiga Vila Rica, Patrimônio Cultural da Humanidade reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), é, provavelmente, a cidade mais internacionalizada de Minas Gerais. Pelas ladeiras é possível ouvir sotaques do mundo inteiro.

Turistas que buscam o cenário cinematográfico que abriga uma cidade viva, lotada de universitários e quase 100 mil habitantes.

Enumerar as igrejas e museus é quase impossível. Um dos mais incríveis é a Casa dos Contos, administrado pela Casa da Moeda do Brasil e um dos raríssimos que abre as portas todos os dias do ano, faça chuva ou sol.

Dentro do centro histórico ainda é possível visitar antigas minas e sentir um pouco da sensação do que é ter que se dobrar e embrenhar por dentro da terra em busca do ouro. A experiência ínfima pode nos dar uma leve sensação do que eram as condições de trabalho no século XVIII.

Casa dos Contos – Ouro Preto

ROTEIRO: DOIS DIAS EM OURO PRETO

A cidade é detentora do maior acervo da obra e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. O museu em honra do mestre do barroco brasileiro funciona em um Circuito que abrange três igrejas: Santuário Nossa Senhora da Conceição, que abriga as salas: Refulgência, Festas Religiosas, Arte na Talha, Mini-auditório, Sala Multivisão e Sala da Encenação da Morte; Igreja de São Francisco de Assis e Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões.

A gastronomia é outro destaque na cidade. Além da melhor comida do mundo – a mineira (modéstia às favas) – a cidade oferece um sem-número de opções de todos os preços e modalidades, dos “podrões” tão necessários à sobrevivência dos estudantes até restaurantes estrelados com o melhor da gastronomia contemporânea mundial.

SABARÁ

Distante 23 quilômetros de Belo Horizonte, Sabará é a menos famosa das três vilas, mas não por isso menos importante ou bela. O município sofre os benefícios e vicissitudes da proximidade com a Capital e, muitas vezes, é percebida apenas como uma cidade dormitório.

Quem anda, porém, pelas suas ruas históricas, especialmente o circuito de cerca de três quilômetros da rua Direita, entre a Igreja de São Francisco e a Igrejinha do Ó, faz um “intensivão” sobre a alma das Alterosas.

Diz a sabedoria ou o “diz-que-me-diz” local que Aleijadinho foi contratado para ornamentar a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, tarefa que executou com todo o requinte da sua arte, mas que, nas horas vagas, desviava material e trabalhava na construção da Igreja de São Francisco de Assis. A primeira parte é comprovada pela história.

A participação do mestre é comprovada em dois diferentes períodos. Já que ele levasse material de um templo para o outro, será de difícil comprovação, ainda que a história seja deliciosa.

A Igrejinha do Ó é em si um ex-voto em agradecimento a uma graça alcançada pelo capitão-mor Lucas Ribeiro de Almeida. As obras iniciadas em 2017 pelos devotos de Nossa Senhora da Expectação foram impulsionadas por ordem do capitão-mor que mandou registrar nas paredes do templo a história do seu acidente e recuperação.

Mas junto ao Museu do Ouro, exemplar único na sua categoria e ainda pouco visitado pelos turistas brasileiros, a minha preferida é a Igreja do Rosário.

O templo majestoso e nunca completado estava sendo construído pelos escravos que ao saberem da promulgação da Lei Áurea abandonaram a obra. Dentro do templo ainda está de pé a antiga Capela e ali temos uma aula sobre história e arquitetura entre paredes e sob o céu.

A tudo isso se soma a culinária de Sabará reverenciada em vários festivais gastronômicos. Recentemente alçados à categoria de super alimentos pela ciência, a jabuticaba e o ora-pro-nobis são estrelas que dão origem a uma culinária tradicional e inventiva que sustentou os antigos desbravadores e ainda nos apresenta ao mundo.

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