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Minas Gerais inicia trabalhos para tornar sua Cozinha Patrimônio Mundial

Lugar do encontro e do aconchego, onde ganham vida o fogão à lenha, o café passado na hora e o pão de queijo quentinho, as quitandas perfumadas e os assados fumegantes, a Cozinha Mineira acolhe e resume, de forma singular, a identidade e a pluralidade do estado. É a cozinha típica que também se eterniza na tradição das casas de farinha, dos moinhos de milho, das hortas de quintal e nas plantações.

No momento, uma jornada inédita se apresenta para temperar ainda mais a história e a diversidade da cultura alimentar de Minas Gerais: em um movimento pioneiro no país, a Cozinha Mineira, com todos os seus ingredientes, sabores, aromas e modos de fazer, está sendo trabalhada para se tornar patrimônio cultural do Estado e do Brasil.

O processo já começa com duas ações articuladas pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult). Por meio do Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), órgão responsável pelos registros e tombamentos no estado, a pasta deu início aos estudos para reconhecimento da Cozinha Mineira como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais.

Após concluída esta etapa, será solicitado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o registro da Cozinha Mineira como patrimônio do Brasil. Os dois passos são fundamentais para pleitear mais adiante, junto à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o posto da Cozinha Mineira como Patrimônio Cultural da Humanidade.

“A cozinha é a alma de Minas Gerais, e vai além da sua crescente representatividade no Turismo e na Cultura do estado: a Cozinha Mineira gera milhares de empregos diretos e é responsável por 30% da vinda de visitantes ao estado, o que faz a economia girar nos diversos territórios mineiros.

Pão de queijo, café, farinhas, doces, frutos, folhas, cachaças, azeites e queijos são apenas alguns dos itens que movimentam uma imensa cadeia produtiva e têm uma base sólida na agricultura familiar, fundamental instrumento para a valorização dos produtores, para a preservação da tradição e para o desenvolvimento sustentável.

No sentido de valorizar todo esse patrimônio, o governo de Minas deu início ao processo de reconhecimento da Cozinha Mineira como patrimônio imaterial do Estado, além de elaborar, de forma participativa e colaborativa, o Atlas da Cultura Alimentar de Minas Gerais, que vai detalhar todos os alimentos e modos de fazer que são a base da nossa cozinha”, destaca o secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas Oliveira.

A chegada deste reconhecimento irá projetar o estado mundialmente de forma orgânica, uma vez que a cozinha é um dos principais atrativos turísticos de Minas Gerais, avalia o presidente da Frente da Gastronomia Mineira (FGM), Ricardo Rodrigues. “Minas é o primeiro estado a reconhecer toda a sua cozinha como patrimônio cultural de natureza imaterial, e isso é fruto de um trabalho que vem sendo realizado há muitos anos.

A Cozinha Mineira, representada pelo respeito aos alimentos, pelo trabalho muito bem feito do campo à mesa, pelos mais variados ingredientes, modos de fazer e estilos de servir, traz uma identidade muito única e nos coloca no patamar das cozinhas mais bem representativas do país. Por esses e vários outros motivos ela já é e vai ser ainda mais um canal indutor do turismo nos níveis regional, nacional e internacional”, pontuou Rodrigues.

Potência para turismo internacional

Atualmente, a Unesco reconhece algumas tradições relacionadas a alimentos e bebidas como parte da Lista Representativa do Patrimônio  Cultural Imaterial da Humanidade. Entre eles estão a Dieta Mediterrânea, da Região Mediterrânea, a cozinha tradicional mexicana, do México, a refeição gastronômica dos franceses, da França, a base da culinária japonesa, chamada de Washoku, do Japão, e pratos e ingredientes específicos de países como Armênia (Lavash) e Turquia (café).

Ter a Cozinha Mineira e todo o imaginário que ela abriga nesta lista representativa da ONU colocará Minas Gerais e o Brasil em outro patamar do turismo mundial – de acordo com pesquisas recentes de empresas que prestam consultoria para a indústria do turismo em nível internacional, as duas principais tendências de viagens para os próximos anos envolvem experiências gastronômicas e maior proximidade com as comunidades locais.

Para a presidente do Iphan, Larissa Peixoto, a riqueza da cultura alimentar de Minas influencia de forma direta o processo de valorização do turismo cultural. “Em Minas Gerais já temos o registro do Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas nas regiões do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre, e está em andamento o registro do Ofício das Quitandeiras de Minas.

Estes saberes tradicionais constituem expressões de mineiridade e seus detentores os transmitem a cada geração. Nesse contexto, a culinária mineira vai muito além do ato de se alimentar. É expressão de cultura, ato social de formação identitária, fundada na memória e na tradição.

Sua riqueza gastronômica contribui diretamente no processo de valorização do turismo cultural e do desenvolvimento social e econômico. O reconhecimento da Cozinha Mineira como Patrimônio Cultural do Brasil é de grande importância para a valorização e preservação dessa rica e saborosa identidade”, argumenta a dirigente do Instituto nacional.

Com base nos aspectos da diversidade, da história, da identidade e dos modos tradicionais de fazer, a Cozinha Mineira é um prato cheio para os viajantes que saem em busca de experiências aconchegantes em Minas Gerais, único estado brasileiro presente na lista das 10 regiões mais acolhedoras do mundo, segundo a Travellers Review Awards 2021, da empresa Booking.com.

Pioneirismo

O olhar para os sabores da Cozinha Mineira já faz parte das ações de reconhecimento dos bens culturais de natureza imaterial de Minas Gerais desde seus primeiros processos. Em 2002, o Iepha-MG registrou o Modo de Fazer o Queijo Artesanal da Região do Serro, que se tornou o primeiro registro imaterial do país. Desde então, muito se avançou no campo da preservação do patrimônio cultural de natureza imaterial.

Outro bem cultural mineiro que tem referências culinárias em sua identidade é a Festa de Nossa Senhora dos Homens Pretos de Chapada do Norte, registrada como patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais em julho de 2013. O inventário das casas de farinhas e moinhos de milho também está em andamento e o cadastro já contabilizou 397 casas e moinhos distribuídos em 204 municípios, sendo que o município do Serro concentra o maior número: 23 casas de moinhos cadastrados.

Para amarrar estes processos, está em construção, conduzida pelo Iepha-MG, o Atlas da Cultura Alimentar de Minas Gerais, que integra o percurso em direção ao reconhecimento da Cozinha Mineira e irá fornecer elementos para permitir compreender o  processo econômico e social envolvido no âmbito desta extensa e valiosa cadeia produtiva.

A presidente do Iepha-MG, Michele Arroyo, ressalta o forte traço presente na cultura gastronômica de Minas que ajuda a compreender a história do estado, do Brasil, e sua articulação diante de outros países. “Podemos perceber a expressão cultural da Cozinha Mineira na arquitetura, nas nossas paisagens culturais, nas festas, no nosso modo de receber quem vem de fora, de compartilhar o alimento, as receitas, de viver a vida privada e a coletiva nos lugares de encontro, no próprio espaço da cozinha e no espaço público. Essa cultura alimentar está viva em Minas, transcende o nosso espaço físico e passa ao nosso patrimônio imaterial.

A partir de referências nacionais e internacionais, essa cultura se resinificou e se consolidou como algo essencialmente mineiro. Pensar na Cozinha Mineira é pensar nas articulações e na centralidade que ela tem na vivência da cultura de Minas Gerais por cada um dos mineiros, para quem nos visita e para quem é de fora do país”.

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Tradição e contemporaneidade

A pesquisadora em gastronomia e chef de cozinha Vani Pedrosa salienta que a Cozinha Mineira é contemporânea dela mesma, pois sobrevive ao passar do tempo e se adapta constantemente. “Ela constitui um processo de memória do mineiro e guarda suas origens históricas, culturais e da biodiversidade do estado. Ao mesmo tempo, é inovadora e dinâmica. Ao preservá-la como um patrimônio, são resguardados a tradição, os modos de vida e o afeto de Minas Gerais.

A nossa cozinha é muito familiar: desde os primórdios, o alimento sai do quintal, passa pela cozinha e vai para a mesa. Quem vai cozinhar sabe o que tem na horta, sabe a melhor forma de colher os alimentos, de prepará-los, e com isso vem a relação afetiva com a comida e o entendimento da família como um processo de alimentação integral – do corpo, da mente e do espírito. O alimento à mesa, para nós, mineiros, não é só nutrição. É também sinônimo de encontros, partilha e acolhimento”, aponta Vani.

Para o chef de cozinha, pesquisador e professor de Gastronomia Edson Puiat, “o reconhecimento vai proteger a cultura alimentar de Minas e nos referendar como mineiros, porque carregamos patrimônio desde o nascimento, seja pelas memórias familiares ou pelas nossas próprias. Chega no momento certo, em que a nossa cozinha completa 300 anos”. Ele destaca a importância de toda essa trajetória ser permeada por rituais, crenças, heranças e influências de tantas etnias. “Costumo dizer que a Cozinha Mineira vai muito além da tradição e das histórias, pois ela se traduz, também, em comportamento, simplicidade e hospitalidade. Tudo o que reflete o jeito mineiro de ser”, comenta o chef.

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