“Cinema em Transição” é a temática da 25a Mostra de Cinema de Tiradentes
O cinema brasileiro atravessa um período complexo e delicado em várias frentes. Do desenvolvimento de projetos à produção, das filmagens à finalização, da distribuição à exibição, toda a cadeia de realização tem sido reestruturada, reconfigurada e, muitas vezes, revolucionada.
Estamos num período histórico de aceleração dos processos, que passa pela economia e pela criatividade no audiovisual, desde as formas de financiamento até a efervescência das plataformas de streaming e a crise das salas físicas. Buscando mergulhar nesse caldeirão de mudanças, a Mostra de Cinema de Tiradentes chega à 25a edição, entre 21 e 29 de janeiro, adotando a temática “Cinema em Transição”, buscando nesta última palavra o sentido de suas discussões.
“Hoje, o cinema brasileiro, tão frágil em sua estrutura, mas resistente e persistente, está em transição, a maior desde a popularização do aparelho televisor. E o que seria uma transição? Uma pesquisa rápida sobre o conceito de transição nos diz: ‘é uma espécie de etapa não permanente entre dois estados’”, reflete Francis Vogner dos Reis, coordenador curatorial da Mostra. Junto aos demais integrantes da curadoria do evento – Lila Foster, Camila Vieira, Tatiana Carvalho Costa e Felipe André Silva, ele desenvolveu o conceito para 2022, ano em que a própria Mostra atravessa uma transição, num híbrido de presencial e virtual, ainda sob o impacto da pandemia de Covid-19.
Em mudanças técnicas, estéticas e econômicas, o cinema brasileiro contemporâneo será investigado, durante a Mostra, em sessões de pré-estreia, debates, bate-papos e encontros com realizadores, pesquisadores, críticos e profissionais. A ambição é a de ampliar a conversa sobre novos arranjos profissionais e artísticos em andamento, diante de uma realidade econômica e criativa que segue institucionalmente negando a cultura (em âmbito de Governo Federal) e uma movimentação cultural que não pode mais se restringir aos antigos modelos de produção e circulação de obras, sob risco de sua própria sobrevivência e a dos profissionais envolvidos.
No âmbito econômico, a suspensão de políticas públicas do audiovisual afetou diretamente o cinema independente, que antes vinha mantendo um mercado profissional de técnicos e profissionais de toda a cadeia audiovisual, incluindo crescente presença de produções distantes do eixo Rio-SP com pessoas negras, mulheres, cineastas de condição social fora do espectro da classe média e alta e, em número mais tímido, pessoas trans. “Ninguém quer e nem pode parar. Se existe muita constrição, precarização e recuos nesse processo, no aspecto criativo lidamos num cenário em que os intentos, as ideias e as práticas a partir do audiovisual são fortes em outros territórios de experimentação”, afirma Francis Vogner. “A ocupação de espaços de produção, antes pouco acessíveis, ampliou a noção do público para uma produção audiovisual que estava restrita ao circuito de cinema independente (sobretudo o de festivais) e trouxe novas possibilidades para o trabalho criativo de equipes que passam a produzir em outros moldes e atingir novos olhares”.
As necessidades de trabalho levaram muitos artistas a transitar (eis o conceito) entre campos distintos, trafegando do cinema para as artes visuais, as artes cênicas, a música, a performance e outros mais. A internet se tornou um espaço fértil e essencial para a difusão e manutenção de diversos projetos, sejam independentes, sejam em acordos com grandes conglomerados de difusão. “Se pensarmos o cinema menos como um objeto formatado e delimitado por sua identidade tradicional (a sala e a grande tela, os formatos tradicionais de curta e longa-metragem) e mais como um terreno de imagens e sons que conta com instrumentos diferentes (ciência, televisão, internet, apropriação etc), nos deparamos com uma atividade técnica e estética que não é específica ou apartada de um amplo contexto artístico, midiático, social e político”, avalia o curador.
A forte presença de coletivos, se não é novidade, se torna ainda mais presente nas cenas culturais que ultrapassam a fruição convencional dos filmes e lançam criações diretamente no YouTube ou projetados em ambiente clubber. “Os filmes, no caso de coletivos, fazem parte de uma cena mais ampla, que envolve teatro, performance, moda e mesmo o material da vida cotidiana transfigurado em estéticas e num modo de recepção distante do tradicional: projetados na rua, em festas, em espaços de dança, desafiando as definições básicas do que nos acostumamos a chamar de cinema enquanto fruição, mas também, muitas vezes enquanto divisão de trabalho dentro da hierarquia de set”.
HOMENAGEM: ADIRLEY QUEIRÓS
É nesse espírito de movimentação intensa e de transição entre modos de fazer e fruir que a 25a Mostra de Cinema de Tiradentes presta tributo ao cineasta Adirley Queirós. Desde a histórica e apoteótica sessão de “A Cidade é uma Só?” em 2012 – quando inclusive saiu com o Troféu Barroco de melhor filme da Mostra Aurora, o cineasta de Ceilândia, no Distrito Federal, vem apresentando seus novos e instigantes trabalhos no evento.
“Adirley e a Ceicine (Coletivo de Cinema da Ceilândia) tomam parte historicamente em um panorama de obras e cineastas brasileiros contemporâneos que, nos últimos 16 anos, se fizeram entre a independência radical dos coletivos e o estímulo das políticas públicas para o audiovisual em nível federal (nos governos Lula e Dilma, com a descentralização da produção) e estadual e municipal, com o fomento a pequenas produções”, destaca Francis Vogner dos Reis, curador curatorial da Mostra.
Sobre o cinema de Adirley, Francis diz: “É possível traçar uma trajetória que reflete um processo político de um passado de violência traumática que determina o presente e influencia os rumos do futuro. Não é a violência positivista, o mito fundador da nação, mas uma violência determinada pelo negativo: ‘aqui não verá país nenhum’. Por outro lado, é desse território que ele reconhece personagens, músicas e narrativas fascinantes”.
O curador se refere a filmes como “Rap, o Canto da Ceilândia” (2005), “Dias de Greve” (2009), “Fora de Campo” (2010), o citado “A Cidade é Uma Só?” (2012) e os posteriores “Branco Sai, Preto Fica” (2014) e “Era Uma Vez Brasília” (2017), todos a serem exibidos na Mostra Homenagem e fundamentais nesse rosto de transição que o cinema brasileiro foi adquirindo nos últimos anos. “Bem demarcado, o espaço de criação é a Ceilândia, território de vivência e construção do que Adirley chama de etnografia da ficção, um princípio prático e estético que situa não somente o corpo do cineasta, mas o corpo de uma equipe inteira, uma imersão de onde emerge a ficção”, analisa Francis. “A afirmação desse lugar é também a formulação de uma contradição explicitada sem maniqueísmos desse espaço denominado Brasília, capital do país, sede do poder, futuro projetado de uma nação que se funda e permanece situada num regime de violência”.
A homenagem a Adirley Queirós será realizada na noite de abertura da Mostra, no dia 21 de janeiro, sexta-feira. Na ocasião, o homenageado receberá o Troféu Barroco, oficial do evento. A programação de abertura contará, ainda, com a exibição de trabalhos inéditos do homenageado. Os demais filmes da Mostra Homenagem estarão disponíveis no site https://mostratiradentes.com.br, durante o período da mostra.
OFICINAS
O Festival está com inscrições abertas e gratuitas para as oficinas que integram seu Programa de Formação Audiovisual. Para esta edição, serão 10 oficinas com oferta de 266 vagas. É permitida apenas uma inscrição por pessoa. Os interessados podem se inscrever até 10 de janeiro, ou até se esgotarem as inscrições, pelo site oficial do evento www.mostratiradentes.com.br, escolhendo uma entre as seguintes modalidades:“Pitchings Memoráveis para o Audiovisual”, “Dublagem: A Arte da Voz”, “Assistência de Direção”, “Planejamento, Produção e Divulgação de Conteúdo para Redes Sociais”, “Da Personagem ao Argumento”, “A Entrevista no Documentário”, “O Som em Cena”, “Dramaturgias do CorpoEspaço” e “Cinema e Artes Plásticas em Tempos de Transformação” e “Fotografia Expandida”.
De 22 a 23 de janeiro, sábado e domingo, a professora de artes cênicas, mentora de Comunicação e Oratória e diretora de atores, Priscila Schmidt será a responsável pela oficina “Pitchings Memoráveis para o Audiovisual”. Serão oferecidas 25 vagas para interessados a partir de 18 anos. A atividade tem como objetivo orientar e instrumentalizar os participantes para construírem Pitchs memoráveis, impactantes e que vendam seus projetos audiovisuais de forma eficaz e com excelência.
Na mesma data, das 14 às 18 horas, o ator, dublador e diretor de dublagem Patrick de Oliveira ministrará a oficina “Dublagem: A Arte da Voz”. Serão oferecidas 20 vagas para interessados a partir de 16 anos. O objetivo da atividade é apresentar o universo da dublagem para os participantes. Durante essa oficina 100% prática, serão abordados temas como impostação vocal, oratória, respiração, melhora da dicção e aprimoramento de leitura de textos, utilizando os mesmos procedimentos usados nos estúdios de dublagem. Serão também debatidos aspectos da profissão de dublador como: Interpretação (Arte /Técnica); Script; Loops; Minutagem; A importância da Dublagem; O Muro (as dificuldades); O Espaço do Dublador; O Ator: Timming e Emoção Sincronizada; Mercado de Trabalho; Legislação; Estúdios de Dublagem; Curiosidades do Mercado e Avanço da tecnologia.
De 22 a 25 de janeiro de 2022, sábado à terça, das 14 às 17 horas, o cineasta e professor Eduardo Aguilar ministra a oficina “Assistência de Direção”. Serão oferecidas 30 vagas para interessados a partir de 18 anos. O objetivo da atividade é estabelecer uma aproximação com a função de Assistente de Direção em produções audiovisuais abordando temas como: liderança, planejamento e organização.
Entre os dias 24 e 26 de janeiro, segunda à quarta, das 14 às 18 horas, a diretora, fotógrafa, jornalista e mestranda em Crítica Feminista e Estudos de Gênero na UFSC, Emy Lobo será a responsável pela oficina “Planejamento, Produção e Divulgação de Conteúdo para Redes Sociais”. Serão oferecidas 25 vagas para interessados a partir de 18 anos, que já tenham uma ideia de projeto para trabalhar na oficina. Durante a atividade, os participantes irão produzir, a partir dos conteúdos técnicos e teóricos apresentados, um planejamento estratégico viável de conteúdo para redes sociais. E construir coletivamente um repertório de referências, caminhos e possibilidades do audiovisual na internet, que será apresentado em uma simulação de Pitching.
De 24 a 28 de janeiro, segunda à sexta, das 14 às 17horas, a artista plástica, designer gráfica, ilustradora e professora de dança e artes cênicas, Dani Penna realizará a oficina “Cinema e Artes Plásticas em Tempos de Transformação”. Serão oferecidas 25 vagas para interessados a partir de 11 a 14 anos. O objetivo da atividade é construir uma instalação urbana progressiva na praça da cidade, a partir do tema deste ano e da comemoração dos 25 anos da Mostra Tiradentes; trabalhar o processo criativo através de técnicas, materiais reutilizáveis e linguagens plásticas variadas; e estimular através das artes plásticas, e de forma lúdica, a reflexão sobre as relações entre o fazer artístico e o transitório.
De 25 a 27, das 10 às 13 horas e das 14h30 às 17h30 horas, o diretor, produtor audiovisual, documentarista e professor de Jornalismo Rodrigo Cerqueira e a jornalista e diretora de documentários Roberta Fernandes vão ministrar a oficina “A Entrevista no Documentário”. Serão oferecidas 20 vagas para interessados a partir de 16 anos que sejam realizadores iniciantes ou estudantes de Cinema, Audiovisual, Comunicação e áreas afins. Com análise fílmica e atividades práticas, a oficina busca apresentar as diferentes modalidades de entrevista em filmes documentários e exercitar técnicas de interação e aprofundamento dos personagens. Os participantes terão contato com exemplos de formulação de perguntas e roteiro, condução da entrevista, ética nos diálogos e na edição a partir do trabalho de grandes diretores. Como produto, a oficina pretende desenvolver até cinco microcurtas realizados pelos participantes com base no conteúdo apresentado.
Entre os dias 25 a 28 de janeiro, terça à sexta, das 9h30 às 13h30, o ator e roteirista Germano Melo será o responsável pela oficina “Da Personagem ao Argumento”. Serão oferecidas 25 vagas para interessados a partir de 18 anos. A oficina é dedicada não só a atores interessados na escrita, no desenvolvimento de um argumento, mas também a roteiristas, preparadores e/ou diretores interessados em se aprofundar na arte do ator e no conceito de construção da personagem.
Neste mesmo período, das 14 às 18 horas, o compositor, arranjador e professor de som para cinema Beto Strada será o responsável pela oficina “O Som em Cena”. Serão oferecidas 35 vagas para interessados a partir de 18 anos, com nível médio ou superior, estudantes ou profissionais de jornalismo, audiovisual, publicidade e propaganda, cinema, profissionais de som, com ou sem experiência, editores de imagens e amantes da sétima arte. O objetivo da atividade é levar conhecimentos acerca do fenômeno som na vida das pessoas até a utilização nas artes cinematográficas, mostrar toda a importância dos sons em uma narrativa cinemática e da música como um complemento primordial na produção cinematográfica.
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Entre os dias 26 a 28 de janeiro, quarta à sexta, das 09h30 às 13h30, o ator, diretor, autor e preparador corporal Marcelo Aquino ministrará a oficina “Dramaturgias do CorpoEspaço”. Serão oferecidas 25 vagas para artistas a partir de 16 anos, que tenham interesse em se expressar através do teatro e da dança, mesmo sem prévia experiência. Pessoas com disponibilidade para um trabalho prático e que estejam dispostas a compartilhar seus corpos, suas ideias, suas histórias e vivências, e que também estejam dispostas a ouvir, tocar e olhar para o outro com delicadeza e curiosidade. A oficina visa oferecer propostas de treinamento, improvisação e composição para intérpretes, transitando na fronteira entre diferentes formas de expressão artística.
E nesta mesma data, das 10h às 13 horas, a fotógrafa, educadora e Secretária Executiva do CINEDUC Bete Bullara será a responsável pela oficina “Fotografia Expandida”, voltada para jovens de 12 a 16 anos. Serão oferecidas 30 vagas. O objetivo da atividade é estimular a observação do ambiente com um olhar meticuloso e a captação de imagens não convencionais e favorecer uma outra maneira de pensar a construção fotográfica e cinematográfica.
Toda a programação é gratuita. Maiores informações e inscrições em www.mostratiradentes.com.br.