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Conhecendo Cordisburgo: Guimarães Rosa e Gruta de Maquiné

Texto e  Fotos: Daniela Maciel – Jornalista e Historiadora  

Edição: Carla Silva, fundadora do PopFino

Cordisburgo – a Cidade do Coração – não poderia ter nome melhor. A pequena pepita do sertão mineiro não carece lapidação. A cidade, que no feriado de Finados parecia buscar o colo de Morfeu e nem os quiosques da avenida principal se dava ao trabalho de abrir, é viva na generosidade da sua gente que conta a história e a pré-história na sua fala mansa, nos bordados e nas paredes.

Todo mundo em Cordisburgo é contador de história, até os que acham que não são. As frases de Guimarães Rosa estão pelas paredes, nos livros, no museu, nas toalhas de mesa, flutuam no ar. Guimarães, o dr. Rosa, seria gigante onde quer que nascesse, mas não teria outro lugar para nascer além de Cordisburgo.

Ali a natureza anuncia o sertão com suas agruras e belezas. É dali que tem início o que alguém chamou de Brasil profundo. É na linha do trem, onde agora pastam as vacas e a estaçãozinha, bem conservada, que já quase não se lembra dos sorrisos e lágrimas da ida de quem quer ficar e da volta de quem nunca deveria ter ido – já que a gente sai de Minas, mas ela não sai da gente – que está o resumo da moral Roseana. Onde deveria estar o ajuizado “Pare. Olhe. Escute”, a mais linda das sinalizações ferroviárias aconselha com doçura: “Pare. Ouça. Respire”. E vai além, sugerindo faça cruzar a sua mente com essa via térrea que nos sustenta e que não respeitamos.

Chegar à cidade de pouco menos de 10 mil habitantes é fácil. De Belo Horizonte são 115 quilômetros pela BR 040 e MG 231. De ônibus, a partir da Rodoviária da Capital, a viagem é bem mais cansativa, já que para atender cidades próximas o caminho se torna bem mais longo. Mas é uma viagem tranquila e o ponto de parada é próximo ao Museu Guimarães Rosa é distante um quarteirão da avenida principal. Os motoristas costumam parar na avenida para quem pede.

Na Pousada das Flores, dona Maria abre a casa e o sorriso. A senhora se desdobra nas gentilezas de quem prepara para os hóspedes o mesmo café que faz para filhos e netos. E ainda se espanta quando fica sabendo que descobrimos o lugar por meio do “Gu – gle” (leia assim, com as sílabas separadas, com a sonoridade do português).

O museu “Casa de Guimarães Rosa” recria o espaço habitado pela família do escritor. A arquitetura simples do fim do século XIX e início do século XX, abriga, ainda, um amplo quintal e a venda do avô de Guimarães Rosa, com todos os secos e molhados necessários para a vida da população e dos tropeiros que por lá passavam. Lá, documentos originais, manuscritos, roupas, lembranças e obras de arte que reverenciam a vida de obra do autor estão expostos. O “Guimarães-Quixote” e o “Julgamento de Zé Bebelo” nos explicam o que é ser universal.

Ainda é cedo e há tempo para uma conversa com as bordadeiras do outro lado da rua. São caminhos e toalhas de mesa, guardanapos e tudo mais que o americano cru suportar. Elas falam que a escolha das frases vem do coração, a frase é aquela que a alma pedir. A vida passa devagar e ainda há tempo para conhecer a Capela Patriarca São José – que só pudemos observar o lado de fora – com sua clássica pintura em branco e azul e seus sininhos dependurados do lado de fora; e a Matriz do Sagrado Coração de Jesus e sua linda praça. Do adro da construção imponente, datada de 1960, é possível ter uma bela e ampla vista da cidade.

Maquiné – o império das cores que a água esculpiu

Peter Lund chegou à região na terceira década do século XIX. Foram dois anos de pesquisa, estudando restos humanos e de animais petrificados, oriundos do período quaternário. A Gruta do Maquinétem sete salões explorados, com 650 metros de extensão e profundidade de 18 metros. Suas galerias e salões são resultado do trabalho da água durante milênios. O principal elemento da formação da Maquiné é o carbonato de cálcio. Porém, a gruta também apresenta sinais de outros minerais: a sílica, gesso, quartzo e o ferro.

São esses elementos que dão as cores da gruta. Do branco puríssimo ao púrpura, passando pelos vários tons de dourado, verde, azul, rosa, amarelo, roxo… A luz – cuidadosamente instalada para não interferir no delicado equilíbrio entre os seres que habitam e o meio ambiente que faz de Maquiné um espaço inigualável – valoriza cada forma e cada cor.

É possível passar horas adivinhando formas para aquelas formações milenares e ainda em formação pela ação da água que se infiltra pelas micro-fissuras nas rochas. Ursos, elefantes, taças, cortinas, pássaros, fadas e até o véu da noiva povoam nossos olhos que sonham bem abertos.

Fizemos a visita na época de seca, quando a caminhada fica mais leve e segura para crianças e idosos. Se o tempo não para em Maquiné, certamente, ele tem outro ritmo. Os vestígios da nossa pré-história encontrados por Lund e estudados por ele e tantos outros cientistas do mundo todo ao longo do tempo, são um documento raro, que, infelizmente, poucos brasileiros sabem o valor.

Do lado de fora, museu tecnológico nos conta de forma atraente a história de Lund e suas descobertas. Ao fim, é possível descansar as pernas e ter uma bela refeição no restaurante ou na lanchonete logo de frente. A varanda do restaurante projetada sobre a mata, pra mim, foi irresistível.

As descobertas do dr. Lund, porém, não se contentaram à Gruta e invadiram Cordisburgo. Na parte baixa da cidade o “Zoológico de Pedra”, esculpido por Stamar Azevedo, é uma linda homenagem ao nosso mais remoto passado. Os animais pré-históricos esculpidos em pedra são impressionantes e é impossível ir embora sem ser um pouco criança e tirar, no mínimo, uma foto brincando de esconder entre as figuras gigantescas.

Cordisburgo é, mesmo, a cidade do coração de Minas.

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