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CIDADES HISTÓRICAS DE MINAS DURANTE A SEMANA SANTA – PARTE 2

Texto: Daniela Maciel,  Jornalista e Historiadora

Não sou uma pessoa exatamente religiosa, mas criada dentro da fé Católica, desde sempre me encantou a liturgia. As procissões, as encenações, as músicas e os ritos sempre me chamaram a atenção. E o ponto alto disso tudo é, claro, a Semana Santa. Da chegada de Jesus à Jerusalém, no Domingos de Ramos, até a Ressurreição, no Domingo de Páscoa, existe uma semana em que uma ópera é encenada por dia, formando um dos maiores, mais emocionantes e mais importantes textos da história da humanidade.

As encenações litúrgicas foram a primeira forma de comunicação e colonização usada por Portugal na invasão das terras do que viria ser, apenas no século XIX, o Brasil, através da Igreja Católica, especialmente da Companhia de Jesus.

Os jesuítas, além de “soldados de Cristo”, eram grandes educadores. (Claro, à luz do que era considerado educação naquela época. Na verdade, ainda hoje são grandes educadores, de acordo com os nossos parâmetros). E foi o teatro a primeira forma de passar as histórias cristãs para os índios e toda sorte de homens pobres e marginalizados que por aqui eram desterrados, obviamente analfabetos todos, e, boa parte, sequer, falante da língua portuguesa. Talvez isso ajude a explicar, um pouco, do nosso fascínio e facilidade com as linguagens do audiovisual em detrimento da escrita e da leitura.

Mas calma, amigos, esse não é um tratado de História e muito menos de Sociologia, sobre a qual não tenho o menor domínio. É só uma reunião de dicas, de lugares onde estive e que, em algum momento, fizeram meus olhos marejarem ao longo das cerimônias, nas conversas com a sua gente, ou no simples contemplar das suas paisagens arquitetônicas e/ou naturais. Devo confessar, já que a época é de penitência, que não foram raras essas vezes.

Esses lugares, vocês já devem ter intuído, são cidades mineiras em que a tradição resiste e marca singularmente a identidade do povo. O Barroco praticado em Minas Gerais é o cenário que melhor abriga tais cerimônias, já que cada centímetro de parede ou teto das igrejas dos séculos XVII e XVIII é catequizador. Educam para a fé e lembram a cada cristão o seu lugar nos planos de Deus.

Igreja de São Francisco – São João Del Rei – Quinta feira Santa à noite, preparando a cidade para a Procissão da Sexta-feira da Paixão

No Arraial Novo do Ribeirão do Carmo a religiosidade transborda pelas ruas. Talvez tenha sido lá o sermão do Descendimento da Cruz mais bonito que já ouvi. A multidão que lotava a rua bastante íngreme acompanhava a encenação da Morte de Cristo realizada no adro da Igreja de Nossa Senhora das Mercês. Estávamos na altura do Pelourinho. É bastante longe, mas é possível acompanhar cada gesto e ouvir cada palavra. A procissão que se segue serpenteia pelas ruas históricas, passando em frente às principais igrejas da cidade, inclusive da minha preferida – a Matriz de Nossa Senhora do Carmo -, terminando na esplêndida Igreja de São Francisco de Assis.

Mas na Igreja do Pilar é que acontece algo realmente singular. Os são-joanenses se orgulham, cheios de razão, da tradição sineira. Lá, antigos mestres ensinam para jovens empenhados os segredos de fazerem os sinos conversarem. Fiquei longos e longos minutos sentada na calçada o Memorial de Dom Lucas Moreira Neves, vendo aqueles jovens franzinos que quase se lançam no ar para fazer aqueles pesados corpos de ferro e bronze cantarem melodiosamente.

Igreja do Pilar – São João del rei

Durante o dia não perca os museus, as caminhadas pelas ruas antigas, as conversas nas lojinhas de artesanato, aproveite os longos almoços com a especial  gastronomia do Campo das Vertentes e, em hipótese alguma (!), deixe de visitar a rua das casinhas tortas – talvez a rua mais bonita que eu já tenha andado – a rua Santo Antônio. Em poucos quarteirões numa suave curva que começa pouco acima da Igreja do Rosário, ela abriga casinhas que se apoiam umas sobre as outras, a sede da Lira São-joanense e a delicada capela de Santo Antônio. O único inconveniente é que a Igreja tem dias certos para abrir, então melhor conferir a programação na pousada. Mas o caminho é tão lindo, que eu não me importaria de percorrê-lo novamente.

Pousada Beco do Bispo

Rua Irmã Eugênia Luz Pinto, 93 – Centro / São João Del Rei

www.becodobispo.com.br

Na Primaz de Minas realizei um sonho de infância: participei da confecção dos tapetes de serragem que cobrem as ruas das cidades históricas durante a Semana Santa. É uma lindeza feita de fé, talento e perseverança. O trabalho começa muito antes de todos tirarem os carros das ruas que receberão as procissões.

Mariana - Tapetes
Mariana – Tapetes – semana Santa

As imagens são desenhadas semanas antes e, a partir delas, escolhidos os materiais (serragem, pó de café, areia, entre outros) e fabricados, em papelão ou metal, os gabaritos, que servem principalmente para fazer as margens dos quadros. Enquanto isso, a serragem é tingida de várias cores e tons e as equipes se organizam para não deixar que sequer um centímetro do trajeto combinado fique sem ser enfeitado.

No dia certo a comunidade se junta e o trabalho reúne famílias, amigos e turistas. É uma grande oportunidade de vivenciarmos o sentido amplo da palavra comunhão. Ali as crianças são introduzidas nos mistérios da fé e da arte e aprendem o valor do trabalho manual e do trabalho em grupo.

Praça Minas Gerais – Mariana

Na noite da Sexta-feira Santa a multidão lota a Praça Minas Gerais e os que chegam mais cedo conquistam o lugar mais disputado: as escadas e o patamar da Prefeitura. Mais uma vez a chegada de Cristo ao Monte Calvário e todos os acontecimentos que levam à sua morte na cruz – apesar do texto amplamente conhecido – nos enchem de tristeza. Verônica e Maria são a representação da dor. A mãe que recebe o filho inocente morto nos braços soa mais atual do que a nossa frágil consciência gostaria de suportar.]

Pousada do Chafariz 

Rua Cônego Rego, 149 – Mariana

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2 thoughts on “CIDADES HISTÓRICAS DE MINAS DURANTE A SEMANA SANTA – PARTE 2

  1. Excelente publicação! Já estive em São João Del Rei fora da Semana Santa e fiquei encantado com a arquitetura das igrejas. A mais bonita, na minha opinião, é a de São Francisco de Assis, projetada por Aleijadinho.

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